19.2.09

what a sordid/splendid life

Passei um veneno. Veneno mesmo, real. Alguém há muito tempo me disse sem palavras: estou botando um pozinho na sua bebida e você vai deixar. Deixei.
Seis dias e seis noites vivi feito um cachorro grande, ganindo de dor, lambendo as feridas, beliscando o matinho dos canteiros porque a natureza manda fazer isso. Esperando a doença tomar conta, crescer arder arrepiar doer e ir embora muito devagarinho. Não adianta correr, ela é necessária.
Anos vivendo no de repente. Correndo por uma espiral sem pensar, sem muito planejar. E agora? Agora cortaram as cordas, vieram com a machadinha desfazendo um pedaço da teia que tem, não por acaso, a minha idade.
No vazio eu parei: e agora eagoraeagora?? Pensei no que fazer sem meu veneno que já corria freestyle nesse corpinho, tão natural.
Eu quis andar além, quis fazer de um tudo ao mesmo tempo, quis ser incansável inocente-pura e comer tudo, ter tudo assim de um jeito que fosse uma comunhão especial com o mundo impossível. Era pra poder a gente viver de som e calor. Só de amigos, sucos e netos, receitas compartilhadas, cervejas antes do almoço, danças no escuro a noite toda.
Eu quis querer uma outra coisa. Não acreditar que o perfeitamente normal é deliciosamente perfeito na imprevisibilidade da rotina. Só pra quem assiste os detalhes mínimos.
Nas minhas costas nem um lanho. Não levei chicotadas pra passar de fase. Não rasparam minha cabeça nem fiquei meses trancada.
ainda assim. ainda assim.
Minhas unhas crescem muito todo mês, meu cabelo parece capim, vejo todas as cores bem e respiro pelas duas narinas. Seguramente estou num caminho de saúde. Nunca me droguei a sério. Nunca fiz sofrer demais mãe e pai. Me furaram as orelhas quando pequena, não me batizaram. Segui sem essa pecha.
Estou aqui, presente, viva, subindo, sussurrando de leve buscando sua mão de madrugada te cobrindo com o lençol, ouço seu resmungo ou qualquer coisa que você fale durante o sono. Eu sou tua mãe, você é meu pai. Apareci uma noite, você mesmo apareceu eu nunca saberia que um dia.
Era tão cru. Tão rasgante estraçalhante tudo era. Tudo descia tão quadrado e imenso pra minha garganta de adolescente. Eu achava que era fácil, mas lá que era difícil, era muito mais difícil.
Congelaram meus pés, nariz.
Mas, opa, cheguei de novo. Troquei de pele. Subi um dan. Ganhei umas penas novas, larguei uma parte dos cabos. Eu continuo eu insisto. No dia que eu for morrer eu vou pensar: mas foi só isso? Era tão simples e eu não sabia. Nesse dia eu vou ter que dizer pra todos que eu amo que eu os amo, mas muito baixo nos ouvidos, eles vão entrar no meu quarto em fila pra ouvir isso que sempre souberam. Irresistível é continuar continuando. De uma maneira sem fim. Que mesmo quando chegar essa hora eu não vou acabar, vou insistir em estar por aí tudo feito pó feito pedra feito mesa da cozinha e sombra de árvore.