Sentei na mesinha do restaurante, parecido com uma lachonete simples, muito simples, gente que só folga no primeiro do ano. Cozinha bem, cobra barato e ri. Me sentei lá. Ele sentou na minha frente, não tinha outro lugar. Pareceu embaraçado achando que ia me incomodar, que estampa frágil, uns dedos tão magros. Embora parecesse todo nacional paulistano, falou uma língua que eu não entendi e foi cumprimentado pelo cozinheiro. Ele veio lá de dentro só pra isso limpando a mão no avental.
Tive pena dele porque estava comendo sozinho. Mas eu também estava e não fiquei com pena de mim. Minha refeição chegou logo depois, e isso fez parecer que tínhamos combinado de almoçar juntos.
Pensei bom apetite pra ele, e comemos em silêncio.
Tamborzinho de metal lá no fundo, a cerimônia religiosa deles aconteceu debaixo de uma tenda miúda por causa da quantidade de chuva que caía. As pessoas queriam ver mas ficaram debaixo da marquise aproveitando só o som.
Entendi quem ficou parado ali como se não tivesse nada melhor pra fazer. Foi um dia que ficou preto na hora do almoço, muito molhado, e as minhas botas têm umas infiltrações mas era tão bonito ouvir e sentir o vento do dia escuro na cara, a trança bem presa, lanterninhas multicolores se acendendo e eu comprei duas tirinhas de papel na barraca dos desejos, um branco e um amarelo, escrevi o meu e botei só meu primeiro nome e prendi em uma das árvores que servem pra pendurar desejos que eles puseram no caminho, e era isso, essas árvores também davam um alívio, faziam o som e a luz, o vento parecerem mais especiais únicos perfeitos mesmo pra quem tava com o pé molhado.
Eu queria era ver se aparecia alguém com um tênis muito velho, de mais de dez anos, fiquei vigiando mas ninguém apareceu. Quem sabe assim eu teria com quem dividir um pensamento secreto de menos de seis segundos (reparei no seu tênis mas não acho ele inadequado), num relance de milhares de livros e uma sequência de pufes confortáveis das mais modernas cores.
Mas é claro que pessoas que lidam melhor com opções, o passado e suas próprias mundanidades são as improvavelmente capazes de fazer o movimento que vai mandar tudo pelos ares.
[o melhor é que a mulher de veludo quadrado ferrugem ausente blabla, ela tinha as unhas tão brancas da cor da mão e eles me arrumaram uma poltrona confortável bem do lado da vidraça, tem umas persianas mais ou menos abertas e é muito bom ver como está chovendo lá fora nos carros nas árvores, seria só esticar o braço e um pouco do corpo também e sentir a chuva se não tivesse a vidraça mas o melhor é que ela esteja aí mesmo]
São três filhos homens e um marido careca, o que faz funcionar - mesmo o moleque do meio batendo a cabeça na parede - é que a mãe tem 190cm, uns 20 a mais que o maior deles.
Enfiei na boca o torrão de chocolate que veio acompanhando o café e foi sem pensar e eu acho isso estranho porque é quase nunca que eu fico sem pensar então, bom, esse foi um desses momentos, eu comi a bolinha açucarada e foi um susto a coisa toda se espalhando e grudando pela minha boca adentro, não é que tenha sido ruim mas não foi completamente bom porque é só o gosto, eu já não sinto a felicidade dos doces.
E porque falei uma besteira do tamanho de um bonde querendo fazer a sabidinha mas a minha memória enrola feito língua de bêbado quando eu estou pressionada pelo meu próprio coração.

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