6.7.10

cheguei na lanchonete você estava assistindo o jogo.
rimos muito depois de cada almoço, quase todo dia.
eram seis da manhã e o sol alto já. você não bocejou não, só sorriu.
no trabalho vocês estavam cheirando rapé, fumando cigarros e jogando.
nunca mais te vi. quantos anos mesmo?
quando eu era estudante, você era cachorro.
me vesti de uma coisa, pensou que fosse outra. me deu um monte de tempo da sua vida. não era pra dar.
o brasil ganhou, você ficou bêbado, pensou que fosse um lagarto.
caí na piscina e você me deu um anelzinho de ouro.
seu filho nasceu, eu chorei. te perdi de vez.
sua filha nasceu, aí foi muito bom.
te abracei no natal, muitos natais depois. foi o melhor presente.
quando seu fuso horário é +12, fica difícil. mas continua tudo sendo.
você tem nome de bicho e mora no meu jardim.
sua mãe morreu, chorei.
sua mãe morreu. chorei de novo.
você não tinha jeito porque ia voltar pro méxico.
quando você se vestiu de vaca no thanksgiving, ligou pra minha mãe e ficou horas.
assei o peru para a ceia, você guardou ele na geladeira e me levou pra outro país.
fizemos o pirão com farinha de rosca, você com aquele chapeuzinho lamentável. largamos tudo e fomos jogar sinuca.
dancei contigo na festinha, no apartamento apertado e no outro dia você virou adulto.
você me recebeu em casa, sem nunca ter me visto.
te recebi em casa, nunca tinha te visto.
você me detestava na escola mas hoje conserta a casa da minha família e temos muita simpatia.
tomamos um porre numa cidade cheia de turistas e você perdeu o ônibus de volta pra zagreb.
entrei na sua casa pra te botar mais cabelos brancos. deu certo, e ficou muito bom.
esperei um tempão. quando você acordou era a hora de ir embora.

fiquei sem palavras e quase sem lágrimas já.
tirei a aliança, guardei na mão direita. passei no mercado e voltei pra casa.