1.4.09

Novamente no escuro. Molhado esse escuro, um frio gelado aqui. Passa o dedo no vidro úmido faz uma letra. Aí lembra que não tá sozinha ali, que vergonha.
Vestido mais certinho esse meu, credo gente. Botei pra ele ver, e ele finge que não viu. Eu também nem precisava vir aqui, mas vim só pra.
É, vim, eu gosto.
Venho aqui me achando culpada, mas não é dele não, é da carne mesmo. Um lugar desse que matou os bichos e botou eles dependurados pra gente escolher quem vai comer. Uma sangueira danada pelos azulejos, aquele cheiro agudo e verde.
Ele tem saudade, não sabe meu nome. Casou faz pouco, escutei o patrão falando "tá nervoso, Evandro?". Ele tava, o sofá ia chegar na quinta. Quando voltei de viagem já tinha aliança no dedo. Mudou nadinha o enviesado de olhar. Tão devoto que se eu pedisse o boi inteiro me dava de presente. Respeita, ele. Respeita tudo. Não dá nada além do sorriso que só eu ganho, o olho meio peixe-bobo assim, tão parcimonioso, mas eu sou viva demais, eu pesco tudo.
Dá um setecentos gramas de coxão mole por favor?
É que o patinho tá tão bonito hoje moça.
Tá certo, então a gente leva patinho, você fala, a gente leva patinho.
Tá bom assim? Oi, tá ok. Tira bem a gordurinha. Bom dia como vai? Até amanhã obrigado pra senhora também.
Ele não tem vergonha de sangue velho na roupa. Redinha no cabelo. O lugar submundano, vida de megarefe. Não intimida, o Evandro. Comigo não. Fica lá fazendo o Musashi do estabelecimento: um pé distante do outro dois palmos, coluna reta e pescoço encaixado, faca na mão aguardando a ordem, muito concentrado, olhando por debaixo a minha cara vermelha.

Um dia
Deu as cinco e meia
Isso é hora de comprar carne?
Eu fui
Quele calor de panela de pressão, raio de verão comprido
Eu fui lá
A senhora
Boa tarde, que calor, como é mesmo o seu nome, Evandro?
Estamos fechando já moça. A senhora vai querer
Eu vou
Vai querer? A senhora
Sim, vou querer

Faz favor então Madame

Um comentário:

Anônimo disse...
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